quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Graça da Rua XIV

Sentei-me próximo dela. Buscava, sim, buscava em sua fisionomia algum detalhe que não me fizesse bem aos meus olhos. Tinha em seu olhar ainda a ingenuidade de uma criança, que pouco sabe da vida. Seu perfume era de flores silvestres, que adoravelmente viajava pelo ar, enfeitiçando-me.
Naqueles dias que haviam sucedido, este que vos lhes conto, fazia falta a paz em mim. Nada me alegrava nada me completava. Desde que me mudei para a capital, não havia me identificado com nenhuma outra pessoa. Eram todos diferentes de mim. Seus passos, olhares, modos, nada era como os dos meus conterrâneos, nem como os meus.
Fazia dois meses que havia vindo morar em Porto Alegre, por que em minha cidade não havia faculdade de medicina. Meus pais se preocupavam com os meus estudos, e não queriam que tivesse o triste destino de permanecer na pequena Vila de Piratini.
Corriam os primeiros anos do século XX, várias mudanças ocorriam pelo mundo afora, e aqui no Rio Grande do Sul não era diferente.  No lugar de velhas carroças, surgiam os primeiros carros, poucos, mas já estavam em circulação nas poucas ruas já pavimentadas da capital. Existiam postes, abastecidos com óleo de sardinha, que iluminavam as ruas da cidade, até pouco depois da meia-noite.
Morava numa pequena pensão situada numa rua adjacente próxima da Rua da Praia, onde passava quase todo dia estudando e dando o melhor de mim, para que quando mandasse uma carta aos meus pais, pudesse lhe reportar alegria e lhes dar o orgulho de ter seu único filho formado, como médico. Se desse sorte, podia ir medicar em minha terra natal. Só imaginava minha velha mãe, orgulhosa de seu filho, lendo a luz de vela minha carta.
Mas isso levaria tempo.
Não podia me dar ao deleite de apaixonar-me por a filha do banqueiro, isso podia me atrapalhar em meus estudos.
Todos os dias quando saia da pensão, pondo-me a caminho da faculdade, a via saindo de casa, sempre acompanhada de seu irmão mais velho. Não deixava que percebesse que eu a admirava, e, quase pechava nas senhoras que ia a missa pela manhã. Uma vez que era órfã de mãe, sempre acompanhava seu irmão no trabalho deste no banco da família. Por certo, achava cansativo passar o dia todo solitária no sobrado da família, e seu pai preferia ter sua bela caçula sob seu rigoroso olhar. Ficava o dia todo junto de seu pai, em sua sala, no banco.
Seus longos cabelos castanhos claros eram levemente atados por uma delicada fita de cetim, de cor azul claro. Eram os mais belos de todas as moças da capital, e quiçá do universo. Pelo menos para mim eram. Longos, eram singelamente embalados pela leve brisa do ar matinal que soprava do Guaíba. Suas pequenas mãos delicadas eram cobertas por luvas brancas, que apertavam uma pequena bolsinha que sempre carregava consigo. Vestia-se sempre com belíssimos vestidos, sempre feitos dos mais caros e valiosos tecidos, que seu pai mandava fazer com a modista francesa que tinha uma loja na Rua dos Andradas.
Em meus mais íntimos pensamentos, despia-a em meu subconsciente, e projetava tal formosura, onipotentemente superior á uma das três graças acompanhantes da Primavera, obra do pintor renascentista Botticelli. Mas podia ele criar figura tão divina quanto aquela que alimentava meus olhos todas as manhãs?
Docemente dei-lhe o doce apelido de “A Graça da Rua XIV”.
Seguiam os dois de braços dados, misturando-se nas pessoas que perambulavam pela rua, em frente a sua casa. Logo sumiam num esquina a seguir.
Voltei a mim, aqui nesta confeitaria, da Rua do Porto, onde eu e meus colegas de faculdade saímos para o almoço. Ela estava acompanhada de seu pai, que não tirava os olhos de seu jornal. A filha, a bela filha, estava a beber um chá de canela, numa delicada xícara de porcelana turca, que soltava para cima um vapor, este que sumia no ar, depois de subir-lhe pela maçã do rosto.
Comia o almoço, mas não conseguia retirar o olhar da bela moça, e ali a poucos metros, respirava seu doce perfume, que absorvia pelas minhas narinas.
Meus colegas, já haviam notado minhas intenções com a moça, e como eu sabiam que meu desejo a se realizar, seriam um tanto impossível.
Tinha medo que ela percebesse e comentasse com seu pai ou irmão, e estes ficassem com raiva de mim, por cobiçar a jovem. Deveria ser prometida a algum herdeiro de alguma abastada família da região. Já eu não detinha este status nem posição social que nem os demais rapazes que faziam a corte a ela.
Seu pai, ao notar o garçom da confeitaria estava ali de pé ao seu lado para fazer o pedido, disse que desejava o mesmo de sempre para almoçar e perguntou a sua filha o que ela desejava para comer. Ela chamava-se Luciana, soube seu nome assim que seu progenitor lhe perguntou sobre o almoço. Ela concordou com o pai, em almoçar o de sempre. Assim, de seus carnudos lábios saiu uma doce voz, calma como água de um cristalino lago e mais suave que um Adágio de Mozart ou Albinoni, dedilhados num novíssimo piano de puro marfim.
Logo após o pedido dela, ainda como os olhos presos em sua figura, percebi que ela me olhava. Sim, ela me olhava, discretamente olhava-me no fundo dos meus olhos, como quem procurava desvendar minha alma...
Talvez por medo que seu pai desconfiasse disso e lhe advertisse, baixou os olhos num rápido movimento e pôs seu belo par de olhos azuis na toalha da mesa. Docemente pôs o guardanapo no colo e manteve-se com o olhar baixo na mesa.
Resolvi não lhe olhar demasiadamente, pois fiquei com receio de constrangê-la, e decidi deter meu olhar apenas na minha refeição que já estava findando.
Quando me dei por conta, após terminar meu almoço, a mesa onde seu pai e ele estavam apostos, fazia-se vazia.
Não perguntei a nenhum dos meus colegas sobre onde ela havia ido.
Terminamos o almoço. Todos contavam anedotas, causos que ocorriam fora das vidraças da confeitaria e além dos limites da cidade, assuntos que eram comumente debatidos pelos jovens da capital. Mas a mim se faziam desinteressantes e obsoletos, uma vez que a imagem da senhorita não abandonava minha imaginação. Ah perturbadora visão dos céus! Era como se aqueles poucos minutos em que a olhava e deleitava-me com seu perfume, pudessem-me fazer flutuar, envolto em delicada seda divina!
Resolvi arrancar esta imagem de minha cabeça, pois tinha outros assuntos a tratar referentes a faculdade.
Pois assim fiz, de todas as maneiras me afastei de seu caminho. Nunca mais passei em frente a sua casa, nunca mais almocei naquela confeitaria, e quando sua majestosa imagem me vinha tona em pensamento, tratava de me esbofetear para cair em mim e me ocupar com outros pensamentos.
E consegui.
Sua imagem, aos poucos fora desaparecendo dentro de mim, como alguma forma em uma manhã de cerração, ao passo que vai se afastando, mais difícil de divulgar torna-se.
Ainda hoje, anos depois destes fatos, vez que outra me pergunto: - Por onde andará a bela Luciana, a minha, só minha Graça da Rua XIV?


Nota: Caso você tenha notado, a história acima ficou um tanto sem pé nem cabeça, nem o título se torna convincente, e muito menos o fim. Apenas deixei minha fértil imaginação criar este texto. E.V;

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