domingo, 15 de dezembro de 2013

Diário de Manuela 02.

Pelotas, 12 de agosto de 1854.
Agora é tarde.
Mas tarde para que? Para viver? Para sair por ai? Para deixar aquela lágrima carregada de dor, cair sobre a maçã do meu rosto?
Nunca é tão tarde para fazermos as coisas acontecerem.
Desde que aquele olhar guapo se desfez de minha frente, não vejo beleza alguma nas coisas. Fui abraçada pelo manto da infelicidade.
O céu azul que aquele guapo homem trazia consigo aos dias meus, foi desfeito, e em seu lugar surgiu um céu negro, carregado com pesadas nuvens, que choram assim como os olhos meus.
Tornei-me a mais sentimental e sensível de todas as mulheres, que pode partilhar de todos, o seus sofreres.
Tão moça e tão frágil. Eu, que sempre quis manter a figura de uma moça forte e culta, que lê poemas e romances, gosta de ouvir as histórias contadas pelos mais velhos e que sempre tive opinião própria, quando me vi diante daquele corsário italiano, descobri que toda aquela cultura adquirida não era nada.
Aos poucos, aquele tempo ao lado de Giuseppe, vão ficando para trás, como a parte mais bela e sublime de minha vida. Algo sobrenatural, fictício de tão maravilhosos que foi. Como uma dessas histórias que leio nos livros, daqueles romances que emocionam as pessoas que os leem.
Mas ele se foi. Era seu destino. Eu só serei uma lembrança do Continente, que talvez ele leve pro resto da vida. A mim, ele significou tudo. Um rastro de luz no céu, a gota d’água no deserto.
Guardo dentro de mim aqueles momentos, que por mais que eu chore, não voltam mais.
Fico por ai, pelos cantos desta casa, relembrando o tempo que morava no campo. O tempo que morte rondava os homens da minha família e até mesmo Garibaldi. Rezava ardorosamente, de joelhos em frente ao altar, no Oratório da estância de tia Ana Joaquina, pedindo proteção aos homens de minha família, mas pedia mais fortemente, pela vida do corsário. Era o que cabia a nós mulheres. As mais velhas, rezavam, cuidavam dos jovens, cuidavam de quase tudo. Nós as moças, ajudávamos no que podíamos, rezávamos, nos preparávamos para que quando a guerra terminasse, e os nossos prometidos voltassem, nos cassássemos e cumpríssemos nossos papéis. Não a mim.
Ainda hoje rezo por Garibaldi, onde quer que ele esteja, peleando, seja por mar ou por terra, sempre será o maior motivo de todos os meus pensamentos elevados á Deus.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Libertar-se de si mesma.


Cortou-se no intuito de sanar sua dor.
Escorreram gotas de sangue quente, como pétalas de vermelha rosa
Despencadas com calor.

Sopro gelado d’alma
Vinha beijar seus lábios
Roubando-lhe o último suspiro de calma
De um sonho nunca vivido, nem da velha música jamais cantada.
De seu castelo de cartas,
Que o vento intempestivo, num sopro cruel desmanchou,
Só restou sua tristeza amontoada.

Vagueando pelos céus na madrugada fria e solitária
Buscando a luz da manhã
Com sua avidez totalitária
A fim de emanar sua luz interior
Liberta-se de suas trevas

Ateias e pagãs.

Pinheiro, Erasmo.
1° distrito de Piratini, 10 de dezembro de 2013.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Diário de Manuela, 01.

Pelotas, 23 de setembro de 1902.

Hoje está um lindo dia. Um dia onde o cantar dos pássaros, faz morada nas luzes imanadas pelos raios do Sol. Ah suave canto.
Hoje, tudo foi como sempre foi, ocorrendo da maneira mais natural possível, a mim.
Um pensamento me assaltou pela manhã, pouca antes de levantar-me da cama. Um desses pensamentos que surgem do nada e vai se desenrolando pelo infinito da minha mente velha e cansada.  Fui, e sou uma completa louca, como atestam os meninos que passam por aqui, todas as manhãs. Sim uma louca! Ninguém em pleno gozo de suas faculdades mentais espera quase 60 anos por um homem que sabe que já morto, seria impossível de retornar aos seus braços.  Canso-me de repetir para mim mesma que aquele romance já passou. Porém, há algo dentro de mim, como uma chama que teima em continuar acessa, não me deixa pensar em desistir. Mas desistir do quê?
A vida, para mim não seguiu seu curso normal. Não culpa da própria vida, mas minha, só minha.
Sempre cultivei dentro de mim essa esperança, de que um dia ele voltaria para os meus braços, e sorriria e sua doce voz diária: Eu voltei Manuela! Com o passar do tempo, sua imagem, sua voz, foram sendo encobertas por a cerração do tempo. Todas as noites, quando fechava os olhos, eu os exprimia, para que de certa forma, conseguisse segurar dentro de mim aquelas lembranças.  Os anos foram passando e a sua imagem ia se distanciado como um trem num túnel, indo de modo reverso, sumindo para nem eu sei onde. 
E assim eu passo os meus dias, esperando que a morte me leve daqui. Lembrando-me dessas coisas, que me fizeram um dia, sentir-me viva.  Hoje em dia, nem vivo mais. Apenas existo. 

Às vezes me representa que as pessoas pensam o mesmo, que á muito estou morta. Se eu fosse parar e analisar, já faz cinco anos que ninguém vem me visitar. A última viva alma que entrou aqui perguntando por mim, foi um neto de Mariana, depois disso, nunca mais voltou. Trouxe-me notícias dos últimos parentes vivos que ainda moram por Camaquã. Como eu não tinha muito assunto, o rapaz logo se foi. A quem interessaria essas minhas histórias sovadas pelo tempo?  Contar a quem os causos da Revolução, das façanhas de Bento, e Garibaldi? Já quem ninguém se interessa, conto ao meu diário, meu velho companheiro de longa data. Ele nunca se cansará de me escutar, e nem eu, de á ele confidenciar tudo...