sábado, 5 de outubro de 2013

Diário 2.

Camaquã, 23 de Outubro de 1838.
As gotas da chuva já não molham meus lábios como antes. Se bem que sempre tive receio de sair na chuva. Sempre me acomodei com o que as vontades ao meu redor desejavam.
Segui pela rua. Precisava seguir.
Antes de seguir diante, um pequeno parêntese: As pessoas julgam sempre um livro pela capa. Moça rica e cheia de beleza, tão feliz...
Retomando o assunto do inicio, seguia eu pela rua. Voltei para dentro da casa da minha tia. Ninguém quis tocar piano hoje, e isso é bem ruim. Há dias que escutar música é um dos únicos prazeres que tenho. Sim música. Tão bom poder ter as minhas músicas e mergulhar num mundo só meu. Onde eu posso ser quem eu quiser ter todos que quero ter. É fantasioso, mas pelo menos é onde tudo é perfeito, onde as melodias da música embalam meu viver.
Seguem os dias, eles nublados, chuvosos, ensolarados, seguimos sempre. Seguem. Sigo eu escutando música.
De um assunto emendo noutro. Sempre faço assim. Sempre. Nem eu consigo me entender por vezes. É como se eu fosse expectadorade minha própria vida.
Chove garoa e logo abre Sol. Aqueles raios de Sol, que nascem nos meio das nuvens no céu e veem ilumina os campos.
Sigo em frente.
Passamos, gastamos muito tempo de nossa vida preocupados com o que os outros vão dizer ou falar a nosso respeito. Deixamos de viver por medo de nós mesmos, de não sermos suficientemente bons para com nós mesmos. Nada vai recuperar o tempo perdido, este tempo que vivemos para os outros e não para nós mesmos. Vivemos maquiados, mascarados, sorrindo falsamente para os outros. Ou até mesmo segurando lágrimas que teimam em nos ocorrer nos olhos. O tempo só segue cada vez mais rápido.
Os últimos dias têm sido bastante diferentes. Foram três noites seguidas que eu sonhei com ele. Dizem que os sonhos são os grandes anseios da gente, que de tanto pensar ou desejar acabam entrando em nosso subconsciente. O ruim de sonhar é perceber que é tudo ilusório.
Bem, bem. Fora tudo isso, já se vão três anos desde que os Farrapos invadiram Porto Alegre, e já se fala que a Província se tornou uma República. Os homens desta família, empolgados com este clarim de liberdade dos desmandos do Império, encilharam seus cavalos e se juntaram as tropas de Bento Gonçalves. Nesta terra, ficar em casa em tempo de Guerra é coisa pra mulheres e crianças. Inda sorte é que a família dele não se envolveu nessa peleia, porém estão de mudança pro Uruguai, onde há paz. Isto será uma despedida minha dele.
Bueno, quando esta função de Guerra se terminar, fico só imaginando o povo do Rio Grande, que terá de reerguer esta Província sacudida pela derrama de sangue que se fez nos últimos anos. O que farei eu daqui pra frente? Talvez nada de diferente do que fiz até agora. Sendo que no ano que viemos pra estância de minha tia, prometi que só casar-me-ia depois que o Rio Grande estivesse em paz.
Pois prometi a minha mãe, e agora terei de cumprir? Não posso trair-me. Não conseguirei me casar com nenhum outro homem que não seja ele. Não consigo. Não posso!
Por falar, mais uma vez nele, a última vez que o vi, foi num sarau, em comemoração ao casamento duma prima distante, que teve na vila. Ah como estava belo! Como sempre, com aquele sorriso tímido, com aquele jeito tão doce. E eu burra que só, ao invés de ir conversar com ele me acanhei num canto perto das outras moças. Falamos muito pouco, e mais uma vez eu sempre que podia me fazia de dura e indiferente. Não sei o porquê faço isso, mas faço. Tento disfarçar ao máximo que posso todo o amor que sinto por ele. Se eu demonstrar isso, talvez seja pior para mim. Então irei guardar isso dentro de mim, como algo que me mantem viva.

Sigo em frente, sempre em frente...

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