sábado, 14 de setembro de 2013

Mais uma história, sem o "Final Feliz".

Fins de julho. O ano era de 1890.
Sentada á beira da janela num fim de tarde de inverno. O vento que vinha galopando pelas coxilhas do Pampa, agora adentra as janelas do velho sobrado. Sim, aquele velho sobrado no centro de Pelotas, fronteado para a praça da igreja, serve de residência para a velha senhora de cerca de 80 anos.
A única companhia que a vida lhe deixou, foi a própria solidão, que se mantinha fiel á ela. Presente em todos os momentos de sua vida, desde que ela tinha 17 anos. Desde então sua vida se tornou insólita e vazia, deixando- a viver como um ser vazio.
Seus olhos azuis foram à última beleza que a vida por devaneio talvez, não lhe tirou. Estes eram sempre, nos fins de tarde, presos na imensidão do horizonte. Procuravam, aquele rapaz, que a tantos ano havia deixado de fazer parte de sua vida. Deixado talvez não, pois ele sempre vinha visitar ela, quando esta fechava suas pálpebras, desejando com todas suas forças que ele estivesse ali, dentro de um mundo só dela. Era apenas fisicamente ausente.
 Um mundo aonde, ele ainda vinha lhe ver, com aquele sorriso doce, que somente ele sabia esboçar.
O vento frio transpassava sua pele enrugada e seus cabelos fracos e tordilhos pelo rigor dos anos. Balançava as cortinas de seu quarto. Sabia que o frio lhe faria mal a saúde, já debilitada pela idade. Mas nada mais lhe importava. Talvez queria mesmo que a ceifa da morte lhe tragasse a vida.
Não tinha nada mais a desejar da vida. Faziam quase 63 anos que havia se despedido de seu único amor. E aquela imagem era, em sua lembrança tão nítida, mesmo havido transcorrido mais de meio século. Era um dia de Sol, numa manhã. Ainda sim podia sentir novamente sua respiração acelerar, e suas mãos tremerem. Aquele dia havia fica marcado para sempre, como um divisor de águas, que dia após dia, ia lhe matando. Mas que por maldade divina não lhe matava de uma vez só. Se bem que cada dia que vivemos, é um a menos que temos de vida. Foi uma difícil despedida.
Eram bons amigos. Uma dessas amizades que surgem do nada e se tornam a cada dia mais forte. E ela, a pobre moça, teve a sublime e infeliz sorte de se apaixonar pelo amigo. É, assim do nada, um dia notou que amava incondicionalmente seu amigo. E não se via mais sem ele por perto. Olhava, desde então o mundo com os olhos brilhando, inundados deste amor.
Um moça, que já era, desde muito nova, prometida pelos pais á uma primo que morava distante dali. E este amigo, agora á ela confidenciava suas desventuras amorosas. E ela sofria junto dele, em silêncio, e nada podia falar. Sabia que o coração dele era do mundo, das artes, era livre. E aquilo foi somente crescendo dentro dela. Havia encontrado aquele que sempre havia habitado seus sonhos, os mais magníficos sonhos.
A cada dia que conhecia-o mais, mais tinha certeza de que era ele quem moraria dentro de seu peito para toda sua vida.
Foi á época mais feliz da vida dela. A época em que sentia flutuar sentia seus pulmões se encherem de ar e dar ânimo ao sua alma.  Na simplicidade de seu amor, somente de tê-lo presente em suas manhãs, já era uma vitória sem preço. Agora ela, no fim de sua vida, podia perceber que aquele amor viera em sua vida, talvez somente para suprir a falta de amor que vinha de seus pais, Porém, quando ela estava no apogeu de seu sentimento pelo moço, seus caminhos tomaram rumos diferentes.
Nos primeiros dias após tão dolorosa despedida, não passava um dia sem chorar, até cansar. Preferia fugir, para algum lugar onde não tivesse ninguém. Sentia certo ódio das pessoas todas, por não serem como seu grande amor. 
O desespero foi tanto, que em inúmeras vezes ela tentou suicídio. Remédios em altas dosagens, sufocamento, e até afogamento, foram tentados por ela, nas suas tentativas de burlar o sofrimento gerado pela falta de seu amor.  Seus pais, agora entendendo o que a filha mais moça queria, trancafiaram no quarto, eliminando todos os objetos que ela podia usar para se matar, deixando-a como uma doente perigosa. Logo, cerca de dois meses depois, ela começou a aceitar a realidade dos fatos, que a vida continuava.
E assim foram os anos, vagarosos, passando. Mas ela, por ainda certo efeito desse amor, se mantinha esperançosa, que ainda iria viver o amor com o moço. Uma loucura, insana um tanto. Então a realidade, foi aos poucos se assentando em sua ideia. Viva dias bem alegre e falante com as pessoas de sua casa. Noutros, fechada e silenciosa, remoendo aquela angústia ingrata. 
O tempo foi passando, e seus pais resolveram que assim como ela desejava, iria ser solteira para o resto da vida.  Temiam que o casamento forçado lhe fizesse mal á saúde mental.
Assim aos poucos teve de se despedir de seus entes queridos. Primeiro os pais, depois os irmãos.
O sobrado da família foi se esvaziando. Deixando espaço a uma nova moradora: a solidão,que seria sua eterna companhia.
Apenas os criados ali ficaram junto dela. Mas pouco se viam. Ela passava o dia todo no quarto, escrevendo seus anseios em diários. Mal comia e tão pouco saia de casa, isto que só fazia em caso de extrema necessidade.
Os anos continuavam a passar e passar. Havia cerca de 20 anos que ela não sabia uma notícia de seu amado. Isso era a mais dolorida das feridas. Uma ferida na alma. Uma dor fina e intrínseca.
Lamentava cada novo dia que nascia. Lamentava toda noite que chegava ao fim. Lamentava ainda estar viva. 
Nem a beleza e a sensação de renascer das primaveras lhe animavam mais. Logo vinha os longos invernos, solitários naquele sobrado. 
Da janela ela observava as pessoas que perambulavam pelas adjacências da sua casa. Eram figuras cinzas, sem beleza alguma, vistas por ela. Alguns debochavam dela, chamando de louca e outros apelidos maldosos, á velha moradora do sobrado.
Era uma vida sem vida. 
Um dos únicos lugares que ainda podia sair e que suas forças lhe permitiam ir, era aos sepultamentos dos parentes e conhecidos. Logo voltava para casa e lá se trancafiava, junto das lembranças do passado, estas quais lhe mantinham viva.
Sentia que era covarde, por nunca ter dito á ele, do que sentia. Por não ter fugido de casa, se o caso fosse necessário. Mas ter sim lutado até perder suas forças pelo seu sentimento amoroso. Porém agora não adiantava mais lamentar e se torturar. O baú do tempo havia sido selado e eternamente fechado.
Pensando nisso tudo, a velha senhora, sorri. Sim, sorri. Sorri, pelo fato de ter amado. Pelo fato de ter sentido aquele sentimento inexplicável. Por ter sentido seu sangue pulsar mais forte. Por ter tido um amor, daqueles que fazem as pessoas sentirem-se plenas e completas, só pelo simples fato de amar.
Levanta-se, agora, de sua cadeira de balanço e cerra a janela. Respira fundo e sente que ao fim daquele dia cinzento de inverno, pôde renascer. Renascer de suas próprias cinzas. Pois somente pode renascer das cinzas de seu coração, aquele que ardeu ao Sol, de uma paixão. 

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