Fins de
julho. O ano era de 1890.
Sentada á beira da janela num fim de tarde de inverno. O vento que vinha galopando
pelas coxilhas do Pampa, agora adentra as janelas do velho sobrado. Sim,
aquele velho sobrado no centro de Pelotas, fronteado para a praça da igreja,
serve de residência para a velha senhora de cerca de 80 anos.
A única
companhia que a vida lhe deixou, foi a própria solidão, que se mantinha fiel á
ela. Presente em todos os momentos de sua vida, desde que ela tinha 17 anos.
Desde então sua vida se tornou insólita e vazia, deixando- a viver como um ser
vazio.
Seus
olhos azuis foram à última beleza que a vida por devaneio talvez, não lhe tirou.
Estes eram sempre, nos fins de tarde, presos na imensidão do horizonte.
Procuravam, aquele rapaz, que a tantos ano havia deixado de fazer parte de sua
vida. Deixado talvez não, pois ele sempre vinha visitar ela, quando esta fechava
suas pálpebras, desejando com todas suas forças que ele estivesse ali, dentro
de um mundo só dela. Era apenas fisicamente ausente.
Um mundo aonde, ele ainda vinha lhe ver, com aquele sorriso doce, que somente ele sabia esboçar.
Um mundo aonde, ele ainda vinha lhe ver, com aquele sorriso doce, que somente ele sabia esboçar.
O vento
frio transpassava sua pele enrugada e seus cabelos fracos e tordilhos pelo rigor dos anos. Balançava as cortinas de seu quarto.
Sabia que o frio lhe faria mal a saúde, já debilitada pela idade. Mas nada mais
lhe importava. Talvez queria mesmo que a ceifa da morte lhe tragasse a vida.
Não
tinha nada mais a desejar da vida. Faziam quase 63 anos que havia se despedido
de seu único amor. E aquela imagem era, em sua lembrança tão nítida, mesmo
havido transcorrido mais de meio século. Era um dia de Sol, numa manhã. Ainda
sim podia sentir novamente sua respiração acelerar, e suas mãos tremerem. Aquele
dia havia fica marcado para sempre, como um divisor de águas, que dia após dia,
ia lhe matando. Mas que por maldade divina não lhe matava de uma vez só. Se bem
que cada dia que vivemos, é um a menos que temos de vida. Foi uma difícil despedida.
Eram
bons amigos. Uma dessas amizades que surgem do nada e se tornam a cada dia mais
forte. E ela, a pobre moça, teve a sublime e infeliz sorte de se apaixonar pelo
amigo. É, assim do nada, um dia notou que amava incondicionalmente seu amigo. E
não se via mais sem ele por perto. Olhava, desde então o mundo com os olhos
brilhando, inundados deste amor.
Um moça,
que já era, desde muito nova, prometida pelos pais á uma primo que morava
distante dali. E este amigo, agora á ela confidenciava suas desventuras amorosas.
E ela sofria junto dele, em silêncio, e nada podia falar. Sabia que o coração
dele era do mundo, das artes, era livre. E aquilo foi somente crescendo dentro
dela. Havia encontrado aquele que sempre havia habitado seus sonhos, os mais magníficos sonhos.
A cada dia que conhecia-o mais, mais tinha certeza de que era ele quem moraria dentro de seu peito para toda sua vida.
A cada dia que conhecia-o mais, mais tinha certeza de que era ele quem moraria dentro de seu peito para toda sua vida.
Foi á
época mais feliz da vida dela. A época em que sentia flutuar sentia seus
pulmões se encherem de ar e dar ânimo ao sua alma. Na simplicidade de seu amor, somente de tê-lo
presente em suas manhãs, já era uma vitória sem preço. Agora ela, no fim de sua
vida, podia perceber que aquele amor viera em sua vida, talvez somente para
suprir a falta de amor que vinha de seus pais, Porém, quando ela estava no apogeu de
seu sentimento pelo moço, seus caminhos tomaram rumos diferentes.
Nos
primeiros dias após tão dolorosa despedida, não passava um dia sem chorar, até
cansar. Preferia fugir, para algum lugar onde não tivesse ninguém. Sentia certo
ódio das pessoas todas, por não serem como seu grande amor.
O
desespero foi tanto, que em inúmeras vezes ela tentou suicídio. Remédios em altas dosagens, sufocamento, e até afogamento, foram tentados por ela, nas
suas tentativas de burlar o sofrimento gerado pela falta de seu amor. Seus pais, agora entendendo o que a filha
mais moça queria, trancafiaram no quarto, eliminando todos os objetos que ela podia
usar para se matar, deixando-a como uma doente perigosa. Logo, cerca de dois
meses depois, ela começou a aceitar a realidade dos fatos, que a vida
continuava.
E assim
foram os anos, vagarosos, passando. Mas ela, por ainda certo efeito desse amor,
se mantinha esperançosa, que ainda iria viver o amor com o moço. Uma loucura,
insana um tanto. Então a realidade, foi aos poucos se assentando em sua ideia. Viva
dias bem alegre e falante com as pessoas de sua casa. Noutros, fechada e
silenciosa, remoendo aquela angústia ingrata.
O tempo
foi passando, e seus pais resolveram que assim como ela desejava, iria ser
solteira para o resto da vida. Temiam
que o casamento forçado lhe fizesse mal á saúde mental.
Assim
aos poucos teve de se despedir de seus entes queridos. Primeiro os pais, depois
os irmãos.
O
sobrado da família foi se esvaziando. Deixando espaço a uma nova moradora: a
solidão,que seria sua eterna companhia.
Apenas
os criados ali ficaram junto dela. Mas pouco se viam. Ela passava o dia todo no
quarto, escrevendo seus anseios em diários. Mal comia e tão pouco
saia de casa, isto que só fazia em caso de extrema necessidade.
Os anos
continuavam a passar e passar. Havia cerca de 20 anos que ela não sabia uma
notícia de seu amado. Isso era a mais dolorida das feridas. Uma ferida na alma.
Uma dor fina e intrínseca.
Lamentava
cada novo dia que nascia. Lamentava toda noite que chegava ao fim. Lamentava
ainda estar viva.
Nem a beleza e a sensação de renascer das primaveras lhe animavam mais. Logo vinha os longos invernos, solitários naquele sobrado.
Da janela ela observava as pessoas que perambulavam pelas adjacências da sua casa. Eram figuras cinzas, sem beleza alguma, vistas por ela. Alguns debochavam dela, chamando de louca e outros apelidos maldosos, á velha moradora do sobrado.
Era uma vida sem vida.
Um dos únicos lugares que ainda podia sair e que suas forças lhe permitiam ir, era aos sepultamentos dos parentes e conhecidos. Logo voltava para casa e lá se trancafiava, junto das lembranças do passado, estas quais lhe mantinham viva.
Nem a beleza e a sensação de renascer das primaveras lhe animavam mais. Logo vinha os longos invernos, solitários naquele sobrado.
Da janela ela observava as pessoas que perambulavam pelas adjacências da sua casa. Eram figuras cinzas, sem beleza alguma, vistas por ela. Alguns debochavam dela, chamando de louca e outros apelidos maldosos, á velha moradora do sobrado.
Era uma vida sem vida.
Um dos únicos lugares que ainda podia sair e que suas forças lhe permitiam ir, era aos sepultamentos dos parentes e conhecidos. Logo voltava para casa e lá se trancafiava, junto das lembranças do passado, estas quais lhe mantinham viva.
Sentia
que era covarde, por nunca ter dito á ele, do que sentia. Por não ter fugido de
casa, se o caso fosse necessário. Mas ter sim lutado até perder suas forças pelo
seu sentimento amoroso. Porém agora não adiantava mais lamentar e se torturar.
O baú do tempo havia sido selado e eternamente fechado.
Pensando
nisso tudo, a velha senhora, sorri. Sim, sorri. Sorri, pelo fato de ter amado. Pelo
fato de ter sentido aquele sentimento inexplicável. Por ter sentido seu sangue
pulsar mais forte. Por ter tido um amor, daqueles que fazem as pessoas
sentirem-se plenas e completas, só pelo simples fato de amar.
Levanta-se,
agora, de sua cadeira de balanço e cerra a janela. Respira fundo e sente que ao
fim daquele dia cinzento de inverno, pôde renascer. Renascer de suas próprias
cinzas. Pois somente pode renascer das cinzas de seu coração, aquele que ardeu
ao Sol, de uma paixão.
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