quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Quando sopra o Minuano- Minuano- A Imembuí(parte II)


“-Como assim meu pai? Mal conheço este guerreiro Tape?” falou ela com a respiração acelerada.
“- Não quero forçar Imembuí a nada que ela não queira!” exclamou Acangatú levantando-se do banco onde estava sentado.
Imembuí olhou profundamente Anitan no fundo dos olhos, um daqueles olhares que vão à alma. Ainda de pé, olhou para Acangatú e correu até o lugar onde dormia.
“-Imembuí!” gritou Apacani, indo atrás da filha.
“-Não sabia que era assim! Qualquer um vem aqui e pede para casar comigo e você deixa?" disse ela olhando as imensas nuvens de chuva que vinham do Sul.
“-Não quero casar minha filha contra a vontade dela, apenas perguntei”, respondeu o cacique.
Vindo por um dos lados da residência indígena, Yboquitã, olha os dois um ao lado do outro, que ao perceberem sua presença, olharam-na sem dizer uma única palavra.
“-E o que vão dizer ao Tape? Mandarem-no ir embora, sem resposta?” indagou Yboquitã.
Apacani virou-se para a filha, e perguntou: “- Pense bem no que vai fazer, um dia vai precisar casar-se, e ele por o que eu sei é um bom homem, bom guerreiro, mas é Imembuí quem sabe!” disse o pai de Imembuí, retirando-se para dentro da habitação.
Sem proferir nenhuma palavra, Imembuí, entrou na residência de seu pai.
Yboquitã ficou parada á frente desta, observando os raios que cortavam os céus, e o vento que fazia que com que as outras índias da aldeia, recolherem-se para suas casas.
Imembuí chegou à porta, onde em frente se encontrava Acangatú, que ao vê-la, levantou-se, e disse: ”- Não forço, a bela índia a nada! Apenas vim aqui falar com Apacani, por sentir um amor muito forte por Imembuí!” falou ele com o olhar mais terno que se pode imaginar.
“-Aceito sim guerreiro Tape, prometo casar-me com Acangatú!” disse Imembuí olhando seu futuro marido nos olhos.
Muito longe dali, umas vinte léguas, uma mula cai no chão, fatigada pelo intenso calor, já sem forças para continuar seu caminho até a Colônia do Sacramento, tão longínqua, que ao passo que o calor aumentava, chegaria umas vinte, trinta no máximo de mulas da tropa.
No comando da tropa ia Rodrigo, um português que vivia á alguns anos em São Paulo. Vivia todo ano tropeando as mulas que eram vendidas na Colônia do Sacramento, e com esse dinheiro pagava um quartinho numa pensão de uma senhora, mas nesse quarto só era de passagem, pois para ganhar seu sustento, tinha que trabalhar, e ficava cerca de cinco meses nesse vai e vem entre os domínios portugueses e espanhóis que mudavam do dia para a noite.
“-Vosmecê não acha que é em tempo de dar de beber ás mulas e aos cavalos, Rodrigo?”, disse Fernão, um espanhol, que também ia de tropeiro na tropa de Rodrigo.
“-Logo ali á diante, talvez vinte léguas tenha um riacho, na beira dos montes, mas temos que tomar cuidado com os índios que vivem ali” falou o português olhando a paisagem.
A mula que havia desmaiado morre e é jogada num valo, perto do caminho, e assim seguem seu caminho pelos estreitos caminhos abertos por os primeiros tropeiros que passaram pela região.
“-Mas vosmecê percebeu que pelo vento que sopra, e calor insuportável, daqui á pouco irá desabar água dos céus?”, falou outro tropeiro que vinha mais atrás.
Nisso, um raio corta o céu, e logo em seguida, um barulho estrondoso fez com que o cavalo de Rodrigo empinasse com ele em cima.
“-Bem que digo Rodrigo, é melhor montarmos acampamento, antes que essa tempestade nos pegue!”, falou Fernão, segurando o chapéu que o vento tentou arrancar da sua cabeça.
Então grossas gotas de chuva começaram á cair do céu, e o vento, ficou cada vez mais intenso. Os tropeiros então pegaram seus laços de couro e fizeram uma espécie de mangueira entre algumas árvores e prenderam as mulas, montando ali no pé de um dos morros. Fizeram ali barracas improvisadas, com lençóis, mas bem firmes, que talvez vento algum conseguisse derrubar.
“-Que tipo de arma é está que vosmeçê leva aí? Uma pistola pelo que eu vejo?”, perguntou Rodrigo maravilhado pelo brilho que revestia a parte exterior da pistola que Fernão trazia consigo desde que saíram de São Paulo, amarrada em sua cintura pelo cinto.
“-Esta é uma pistola alemã, ganhei ainda quando morava na Espanha, é trabalhada em paderneira, e bronze”, explicou Fernão já com a arma em mãos.
“-Ah muito bonita mesmo, se vomeçê quiser trocar por este punhal que eu tenho...” falou Rodrigo tirando da bainha seu punhal português que trazia desde que desembarcou no Brasil.
Fernão coçou a barba, levantou-se e voltou seu olhar para o amigo.
“-Me deixe ver seu punhal”, diz Fernão pegando o punhal e passando sua lâmina cortante em seu dedo indicador.
Rodrigo levanta-se, abre uma parte da barraca e olha a chuva caindo e admira a névoa que a chuva cria na bela paisagem á frente de seu acampamento.
Ao que isso se passava á algumas léguas da aldeia indígena, Imembuí estava em seu quarto, após ter se despedido de Acangatú, que pelo fato de ter desabado um temporal muito forte, decidiu voltar para sua aldeia. Estava ela, de pé escorada numa das portas que dava de seu quarto para a sala, onde os outros estavam. Pensava em tudo que havia acontecido, enquanto enrolava seu cabelo nos dedos.
“-Então, Imembuí, ficou feliz com seu noivo?” pergunta Anitan, quebrando o silêncio que havia ali.
Imembuí desencostou-se da porta, e foi em direção á porta da frente, onde pôs a mão embaixo da pequena cascata que se formava do telhado de santa fé que cobria a choupana.
“-Não vai responder á Anitan, Imembuí?” pergunta Yboquitã passando a mão no belo cabelo de Imembuí.
Novamente se mantém em silêncio, agora se dirigindo para o quarto. Entra e se deita de bruços na esteira que usa para dormir. Ali ela adormeceu, em seu sono embalado pelo adorável barulho da chuva.
Acangatú voltou para sua aldeia, feliz por ter sido aceito por seu grande amor. O sorriso era evidente em seus lábios. Era feliz por aquilo.
A chuva ia perdendo força, e pouco a pouco ia acalmando.
No acampamento improvisado dos tropeiros, os dois amigos, Fernão e Rodrigo, estão olhando as armas um dos outro, quando Fernão diz:
“-Acho que agora podemos seguir até mais adiante, pelo jeito essa chuva de primavera já esta passando!”.
“-Que bom, pelo menos assim chegamos às Bandas Platinas, mais rápido!”, falou aliviado Rodrigo.
Movido pela sede que secava sua garganta e boca um dos tropeiros, Miguel,  contratados por Rodrigo, decide ir até o riacho beber água é banhar-se.
Estava ele nadando nas águas do Itaimbé, quando ouviu o relinchar de cavalos. Sim cavalos ali muito próximos. Ao ouvir esse som de cavalos, ele rapidamente saiu da água e vestiu-se. Escondeu-se pelo meio das ramas que haviam por ali, e percebeu que havia uma aldeia indígena na beira do riacho. Percebeu depois que eram duas, sim duas aldeias, com cavalos, e belas índias.
Rapidamente atravessou o riacho, correu até o acampamento, que estava no outro lado do morro, avisar sobre o que havia descoberto.
“-Rodrigo! Rodrigo!” gritava ele ao chegar ao acampamento.
“-Fale Miguel, fostes atacado, o que estas á gritar tanto homem!”, falou Rodrigo já desmontando o acampamento.
“-Não sabes patrão! Ali atrás do monte existe uma, digo duas aldeias índias, com cavalos e mulheres! disse Miguel com seu sorriso malicioso no rosto.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Quando sopra o Minuano- Minuano- A Imembuí (parte I)

Imembuí e seu Morotin

Era primeira metade do século XVII, portugueses e espanhóis travavam sangrentas batalhas pela posse das terras do Continente, onde viviam os nativos moradores deste chão.
A denominada região da “Boca do Monte” ficava no caminho dos bandeirantes que vinham da Capitania de São Paulo, indo até a Colônia do Sacramento, ás margens do Rio da Prata, onde negociavam mulas com os Hispânicos.
Bem no meio deste caminho muito utilizado, mais precisamente no coração da Capitania de São Pedro, existia a dita região do Riacho Itaimbé, onde de uma margem viviam os Minuanos, e de outra margem viviam os Tapes.
O chefe da tribo dos Minuanos, Apacani era casado com Yboquitã, e dessa união nasceu a bela Imembui, que nasceu em meio á um banho de sua mãe, sendo que seu nome na língua indígena “Filha das Águas”. Imembuí era a mais bela de todas as jovens de todas as tribos da região, e despertava a admiração de todos os jovens guerreiros dali.
Acangatú, um dos jovens guerreiros da tribo dos Tapes, ao ver pela primeira vez que viu a bela filha do cacique, ficou enamorado da bela índia.
Imembuí enfeitiçava doçemente todos nas duas tribos, sua pele era alva como o brilho da Lua, seu sorriso irradiava a beleza e este era mais quente que a do Sol, cabelos negros e lisos que mais pareciam serem fios da noite, dessas que não há Lua, onde a imensidão do negro silêncio ecoava por dentre os montes.
Numa manhã de primavera, Acangatú resolveu atravessar o riacho á nado e ir à palhoça onde o pai de Imembuí para pedir a mão da bela índia em casamento.
Chegava todo sestroso á aldeia dos Minuanos, os olhares dos índios fitavam-no dos pés á cabeça.
O guerreiro Tape estava decidido á viver o resto da vida ao lado da índia.
Na oca de Apacani, ele observava os outros habitantes da tribo trabalharem e ao perceber que o jovem índio se aproximava levantou-se de seu banco. Seus olhos estavam estralados, como dois vaga-lumes desses que ficam piscando na escuridão da noite.
Levantou-se e andou até a saída, pôs o pé no chão da tribo, e caminhou até o encontro de Acangatú.
O valente guerreiro tremia o olhar de seriedade do chefe Minuano, o fazia engolir a própria saliva, desse jeito que se faz que até os mosquitos consigam escutar.
Chegou á sua frente e ambos encararam-se, uma á frente do outro. Todos na aldeia pararam para ver tamanho evento.
 As tribos viviam pacificamente há muitos anos, mas cada uma e seu lado do riacho.
O pai de Acangatú havia morrido quando este era muito pequeno, e sua mãe logo depois quando era mais velho, e ele foi criado por um dos anciões da tribo. Desde menino, a partir dos dez anos foi treinado para ser um dos melhores guerreiros que estas terras viriam. Sempre que sua tribo era atacada por tribos inimigas ou pelos bandeirantes, sempre era ele quem comandava os demais índios.
Voltamos ao acontecido no meio da pequena vila dos Minuanos. Como de certa maneira, o olhar do jovem guerreiro mesclava entre respeito, medo, e autoconfiança, pois se quisesse unir-se á filha do chefe da tribo vizinha, teria que se mostrar um verdadeiro homem, valente e confiante em si.
“-Diga, guerreiro Tape, o que quer de Apacani?”, perguntou o chefe indígena, com olhar de indagação.
“-Acangatú veio até o grande Apacani para pedir para me casar com Imembui!”, disse Acangatú.
Sem responder, Apacani fez sinal para irem até sua moradia. Seguiram um atrás do outro sem falarem nada. Taciturno e com medo da resposta do chefe da tribo vizinha.
Entraram na residência e assim que Acangatú pôs os pés dentro da habitação de Apacaní, surge Yboquitã, a esposa de Apacani, uma mulher índia de cerca de 40 anos, assim como Imembui, bela ainda por sua natureza indígena. Chegou por uma das portas da residência, ficou se perguntando mentalmente: “O que ele fazia ali”? Uma nova batalha contra os homens brancos?”
Então o terminar de se perguntar mentalmente isso, Apacani perguntou á esposa:
“-Onde anda Imembuí?”
“-Imembuí e Anitan foram se banhar no rio”, respondeu ele olhando por uma das janelas, procurando na imensidão verde onde sua filha se encontrava.
Ao mesmo tempo em que isso acontecia, Imembuí, a bela índia Minuano, e sua amiga e irmã de criação Anitan, lavavam-se no riacho, nadava, pulavam, graciosamente fazendo das águas do Itaimbé, um verdadeiro paraíso enfeitado pela delicada beleza das duas índias.
“-Acho que Yboquitã pode estar preocupada com a gente, Imembuí!” exclamou Anitan, tirando o cabelo molhado do rosto.
“-Não talvez não, ela deve estar ajudando meu pai nos trabalhos da aldeia, e a daqui á pouco vamos embora”, falou Imembuí.
Continuaram a nadar com toda a felicidade que tinham em suas doces almas.
Imembuí tinha apenas 16 anos, e Anitan 15, foram criadas juntas desde pequenas, uma vez que Apacani e Yboquitã tiveram apenas Imembuí por filha, e os pais de Anitan á abandonaram quando tinha poucos meses de vida e sumiram. Cresceram juntas amigas, brincando, uma mais bela que a outra, porém Imembuí era mais alegre e risonha que Anitan, e despertava a paixão de muitos dos jovens índios das tribos.
Já saindo da água, Anitan olha para o céu e percebe que irá chover.
“-É melhor Imembuí sair da água, que pelo jeito do céu Tupã vai mandar chuva!”, diz Anitan apontando para céu.
“-Tá bom vamos então!”, disse Imembuí chateada com a amiga por fazê-la sair do seu banho.
Saíram do riacho, as duas e seguiram caminhando por uma estradinha que levava direto á aldeia.
“-Na aldeia dos Tapes tem um belo guerreiro, que toda vez que Imembuí vai buscar água no riacho fica admirando e sorrindo”! falou rindo para Imembuí.
“-Não quero ninguém dessa aldeia nem de outra, eu sei que virá um alguém de longe, muito longe que eu sei que é meu grande amor!" Falou Imembuí sorrindo e olhando para o céu.
Anitan sacudiu a cabeça em sinal de reprovação, mas não falou nenhuma palavra.
Seguiram caminhando até chegarem à aldeia, onde perceberam já na chegada perceberam que havia algo de fora do comum.
“-Por que será que não vejo meus pais?” falou Imembuí procurando no meio da aldeia por seus pais.
“-Estão dentro da casa”, falou uma índia que passava nesse momento.
Seguiram até a casa de Apacaní e entraram, surpreendendo-se coma presença de Acangatú ali.
“-Imembuí este é Acangatú, da tribo dos Tapes e veio até aqui para pedir para casar-se com você!”, falou Apacaní, pondo a mão no ombro de Acangatú.

                      
                                                         

domingo, 6 de janeiro de 2013

O Sonho


                                            O Sonho
Talvez um sonho, talvez um pesadelo.
Nem eu sei bem ao certo o que eu vi aquela noite, naquele sonho febril.
Recordo-me bem, deste como se fosse hoje, afinal já se passaram tantos anos.
Eu um jovem de apenas 10 anos, com medo de escuro como a maioria dos meninos da minha idade. Talvez o medo tenha me feito ficar martelando sobre a vida e a morte. Hoje já com meus 26 anos nem daria importância se isso ocorresse novamente, afinal já sou um homem feito.
Bom, vamos ao dito sonho:
Estava eu em minha cidade, recordo-me bem no meio da maior rua da pacata cidade de interior, talvez fossem umas 10hs da manhã, a névoa densa encobria tudo inclusive o final da rua, que mais parecia uma rua fantasma.
Eu estava ali, mas nem sei bem como, talvez de pé, bem no meio da rua. Sentia que meus olhos estavam arregalados, meu corpo estava tenaz. Era como se meus músculos estivessem travados e meu corpo lentamente se embalasse para frente e para traz.
Sentia medo de tudo aquilo, olhava ao meu redor e nem uma viva alma.
Perguntava-me em pensamento: “Onde foi todo mundo”? O que faço aqui?
A névoa ia cada vez ficando mais forte, mas mesmo assim não sentia frio, a temperatura era daquelas de um final de tarde na primavera. Sentia arrepios de frio em minha alma.
Tinha medo de olhar para o lado, ou para traz, e ficava na mesma posição, ali coma respiração ofegante.
Estava na frente da igreja da cidade, mais precisamente na frente da praça, onde eu mal enxergava a imponente construção.
De repente, no final da rua, surgia um homem. Aos poucos sua fisionomia ia se revelando, um homem de média estatura, usava um chapéu de abas grandes, e um, sobretudo que aos passos que ele dava notava-se que este estava entreaberto.
Ele vinha em minha direção, com o rosto baixo, olhando fixamente para o chão cada vez o medo tomava conta de min.
Eram passos largos, e mesmo á dez metros de distância, conseguia ouvir o bater de suas botas no asfalto da rua.
Então ao chegar mais perto de mim pude ver que no lugar de olhos apenas tinham dois negros buracos. Levantou seu rosto e ao passar por mim, novamente baixou o rosto. Agora meu corpo todo tremia, e ligeiramente decidi olhar para traz e para minha surpresa, ele havia sumido.
Queria gritar, perguntar se havia alguém ali, mas minha voz parecia que estava presa dentro de mim.
Olhei novamente para o lado, e em cima de um poste havia uma coruja, que olhava fixamente para mim e aquilo me assustava.
Então ignorei a coruja e meu medo e comecei a caminhar. A cidade parecia ser inabitável á anos. As casas, praças, e tudo parecia perfeitamente no mesmo lugar, porém a sensação de solidão tomava conta de tudo.
Fiz força e consegui gritar: -“Tem alguém ai?”. Foi inútil, a única resposta foi o eco, que ia e vinha, ficando cada vez mais fraco, até sumir.
Continuei caminhando, até chegar à frente da praça, e ao chegar mais perto, ouvi o ranger de um portão de ferro escuro que tinha na frente desta praça.
Hesitei em entrar, mas minha curiosidade misturada ao medo fizeram meus pés irem adentrando na dita praça. Peguei o portão com uma de minhas mãos, e ali haviam pessoas, sim ali haviam pessoas, idosos, sentados em bancos dessa praça, com olhares tristes.
Resolvi chegar perto de uma senhora sentada sozinha num desses bancos. Aparentavam ter uns oitenta anos, vestia roupas que aparentavam ser da década de 1920, finas joias, chapéu, e que olhava tristemente para o chão, e ao notar que eu estava na sua frente, levantou os olhos e me olhou profundamente. Era um olhar profundo e triste ao mesmo tempo.
Agachei-me e perguntei:- “O que houve, onde estão todos nesta cidade?”.
O mesmo silêncio voltava a pairar no ar.
Levantei-me e a velha senhora continuava a olhar fixamente para o chão. Os demais na praça também continuavam ali do mesmo jeito. Dava-me raia de tudo aquilo, e também medo.
De repente do nada, o sino da igreja começava a soar, espantando os pássaros que viviam na torre da igreja.
Os velhos que ali estavam, ergueram os olhos em direção á igreja, estavam surpresos com aquele som impactante que quebrava o silêncio.
Então corri em direção á igreja, atravessei a rua e continuei a correr até chegar. Subia as escadas correndo, e a porta estava aberta.
A igreja parecia normal, como nas manhãs de domingo em que eu e meus pais íamos á missa, mas estava praticamente vazia, velas em frente ás imagens dos santos, flores, e o sino continuava á badalar acima de minha cabeça.
Num dos bancos da primeira fila, estava um senhor, também de idade avançada, com a cabeça baixa, olhava para o piso do altar. Fiquei olhando ele fixamente por alguns minutos, e resolvi me aproximar.
O cheiro das velas que ali queimavam deixava o clima de mistério cada vez mais tenso. Meus passos ecoavam no piso da casa celestial, com se fossem marteladas, que retumbavam em todos os cantos.
A névoa impedia que os vitrais refletissem as imagens sagradas no chão.
Então depois de ter percorrido toda igreja admirando a igreja pouco iluminada, cheguei à frente dos bancos onde o senhor encontrava-se praticamente imóvel.
Sentei-me ao seu lado e ele elevou o olhar até mim.
Seus olhos eram como o da velha senhora da praça.
“-Sei que quer saber sobre todos”... , falou o senhor.
Falou-me ele, como se ouvisse meus pensamentos.
“-Até que em fim alguém que me responde, além do fato de todos nesta cidade terem sumido, ninguém me fala nada!”, respondi quase aos berros.
“-Você não percebeu?”, quase sussurrando respondia-me o velho homem.
“-Perceber o que?”, indaguei, com toda a curiosidade do mundo.
“-Olhe atentamente para meus olhos”, olhando-me profundamente nos meus olhos.
Percebi que seus olhos não me eram estranhos, mas mesmo assim não os reconheci de primeira vista. Sim eram meus olhos ali naquele rosto encravado de rugas e sinais do tempo. Sim! Era eu! Eu! Meu rosto, minha pele, meus olhos, estava mais assustado que antes agora!
Dei um pulo do banco, e quase cai no chão. O olhar dele acompanhava-me atento.
Irei ficar assim? Perguntava-me em pensamento.
“-Não se assuste, a velhice é uma consequência natural da vida, assim como a morte!” explicava ainda sentado.
“-Se é assim que estou, e onde estão minha família, meus amigos, o restante da população?” indaguei com medo da resposta.
“-Como lhe disse, a morte é uma consequência natural da vida...”.
Sacudi cabeça em sinal de negação e levantei-me do chão.
Virei-me de costas e já com os olhos já querendo lacrimejar, pus-me a andar em direção à porta da igreja.
A névoa havia se dissipado e o Sol estava lá imponente em seu lugar de sempre. Mas a cidade continuava vazia, e o brilho do astro solar cegava-me. Desci as escadas e corri até a parte de traz da igreja, onde havia um poço, ou cacimba, aonde antigamente as pessoas vinham buscar água.
Estava cheia, então abri sua tampa e fiquei a pensar no que o “eu” havia dito.
Olhava meu reflexo distorcido pelas pequenas ondas na água do poço, e ficava me imaginado, velho e sem ninguém.
Sentei-me na beirada e fiquei pensando como seria minha vida da li pra frente. De repente o vento começou a soprar, e como se as águas me seduzissem para dentro do poço, e uma súbita vontade de jogar-me para dentro do poço.
Retirei a tampa pesada de concreto para um lado, e fiquei a olhar fixamente ás águas. Num rápido movimento atirei-me dentro do profundo poço.
As águas eram geladas, e as sentir tocando minha pele, era como se fosse afiadas facas cortando meu corpo.
Ao mergulhar totalmente nas águas do poço, senti meu corpo estar em dois lugares ao mesmo tempo, no poço e em minha cama, ensopada de suor, e então meus olhos se abriram...
Estava em meu quarto, olhando fixamente para o teto, ainda noite, aonde poucos raios de luz vindo dos postes iluminavam meu quarto.
Não consegui dormir mais aquela noite, e fiquei pensando naquele maldito pesadelo.
Foi a única vez que me ocorreu.
Os anos passaram e eu foi embora da pequena cidade, vivi com outras pessoas, mas as vezes fico pensando no que eu me disse naquele sonho ...