Talvez por medo, covardia, receio da tua resposta, eu não
fiz mais do que escrevê-la e guarda-la no fundo de um baú, junto de tantas
coisas velhas, e sem importância. Mas essa carta tem, e terá, pois foi ali, aos
prantos, que eu desenhava cada letra, cada palavra, que estavam enterradas dentro de minh´alma. Nesta carta que juntei toda a
coragem que detinha dentro de meu coração, lá no fundo e transmiti a este
pedaço de papel por meio de minha mão.
Tu há essa hora, estas vivendo a sua vida, mas habitando meu
pensamento, sendo você, a única habitante de meu pequeno mundo, onde mesmo que
fantasiosamente, vivo feliz.
Um dia, quem sabe, eu tenha coragem de a ti reportar este
pedaço de papel, cheio de minhas, não tão belas, mas sinceras palavras.
Ou talvez continue com ela guardada, a sete chaves, como este
sentimento, e que nunca tive a audácia de olhar no fundo de teus negros olhos e
dizer:- Eu te amo!
Sim, isso é covardia de minha parte, mas quem em algum
momento de sua vida não foi covarde? Nosso lado humano nos faz assim, mesmo que
seja algo que nos consuma por dentro. Então é como uma represa, que está quase
está estourando, transbordando, e por milímetros, não se rompe.
Penso em me declarar, mas a sombra do medo cobre o Sol da
coragem.
Guardo esta carta que nunca te entreguei, eu covarde, como
uma criança com medo do escuro, dos fantasmas da noite, e me calo.
Retiro meus óculos, e lhe ponho em cima da escrivaninha.
Tampo a caneta, repouso num pequeno baú de madeira a carta, e o chaveio, neste
pequeno e velho baú, pois não quero que ninguém a leia. Decido apagar a luz, não irei mais escrever
nada, depois de pensar em tudo isso. A negritude da noite vem aos poucos
adentrando pela janela de meu quarto, já que nem a bela Lua está hoje no céu.
Debruço-me no parapeito da janela, lhe abro e ponho minha
cabeça para fora. Um gélido ar beija meu rosto, e olho o horizonte, d´onde lá
em seus confins o Sol, já vai se pondo, deixando apenas um rastro de seda
alaranjada, por entre as poucas nuvens que enfeitam o céu, já nos últimos momentos
de claridade dele. É fim de outono, logo virá o inverno, com seus dias de
mazelas, frios e chuvosos, que sem a sua presença, se tornam cada vez mais
amargos.
Espero que na próxima primavera, voltes e que seja como o
Sol resplandecente depois de uma longa tempestade.
Parece que no céu, posso criar sua bela e divina imagem,
como uma belíssima pintura da época do Renascimento. Logo percebo que estou
sorrindo, olhando para o nada.
Ponho meu corpo para dentro de casa, fecho a janela, e cerro
a cortina, e assim a escuridão noturna toma conta de meu quarto. Lágrimas de dor
inundam meus olhos, e descem pelas maçãs de meu rosto, e caem no tecido de minha
roupa, que logo as absorvem.
Sinto que minhas pernas fraquejam, e busco sentar-me na
cadeira de minha escrivaninha, onde também aos prantos, escrevi a carta.
Recupero minha força, levanto-me e me dirijo em direção a
minha cama, sendo esta de casal, mas que mesmo assim ainda é somente por mim
ocupada.
Deito-me e me cubro com a coberta, e encolho-me de frio.
Ponho minhas mãos junto de minha boca, onde sinto o calor de minha respiração.
Fico imaginando o que fazes a esta hora, no que pensas, e
assim de tanto pensar adormeço. Adormeço e tu, apenas tu habitas meu sonho.
Você, em sua casa também dorme seu sono de anjo, e comigo não sonha.
Amanhã, quem sabe, eu vista a armadura da coragem, chegue a
sua frente e em suas mãos, ponha esta carta, que escrevi, revelando-te tudo o
que sinto. Todo meu amor por ti...
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