Camaquã, 23 de Outubro de 1838.
As gotas da chuva já não molham meus lábios como
antes. Se bem que sempre tive receio de sair na chuva. Sempre me acomodei com o
que as vontades ao meu redor desejavam.
Segui pela rua. Precisava seguir.
Antes de seguir diante, um pequeno parêntese: As
pessoas julgam sempre um livro pela capa. Moça rica e cheia de beleza, tão
feliz...
Retomando o assunto do inicio, seguia eu pela rua.
Voltei para dentro da casa da minha tia. Ninguém quis tocar piano hoje, e isso
é bem ruim. Há dias que escutar música é um dos únicos prazeres que tenho. Sim
música. Tão bom poder ter as minhas músicas e mergulhar num mundo só meu. Onde
eu posso ser quem eu quiser ter todos que quero ter. É fantasioso, mas pelo
menos é onde tudo é perfeito, onde as melodias da música embalam meu viver.
Seguem os dias, eles nublados, chuvosos,
ensolarados, seguimos sempre. Seguem. Sigo eu escutando música.
De um assunto emendo noutro. Sempre faço assim.
Sempre. Nem eu consigo me entender por vezes. É como se eu fosse expectadorade
minha própria vida.
Chove garoa e logo abre Sol. Aqueles raios de Sol,
que nascem nos meio das nuvens no céu e veem ilumina os campos.
Sigo em frente.
Passamos, gastamos muito tempo de nossa vida
preocupados com o que os outros vão dizer ou falar a nosso respeito. Deixamos
de viver por medo de nós mesmos, de não sermos suficientemente bons para com
nós mesmos. Nada vai recuperar o tempo perdido, este tempo que vivemos para os
outros e não para nós mesmos. Vivemos maquiados, mascarados, sorrindo falsamente
para os outros. Ou até mesmo segurando lágrimas que teimam em nos ocorrer nos
olhos. O tempo só segue cada vez mais rápido.
Os últimos dias têm sido bastante diferentes. Foram
três noites seguidas que eu sonhei com ele. Dizem que os sonhos são os grandes
anseios da gente, que de tanto pensar ou desejar acabam entrando em nosso
subconsciente. O ruim de sonhar é perceber que é tudo ilusório.
Bem, bem. Fora tudo isso, já se vão três anos desde
que os Farrapos invadiram Porto Alegre, e já se fala que a Província se tornou
uma República. Os homens desta família, empolgados com este clarim de liberdade
dos desmandos do Império, encilharam seus cavalos e se juntaram as tropas de
Bento Gonçalves. Nesta terra, ficar em casa em tempo de Guerra é coisa pra
mulheres e crianças. Inda sorte é que a família dele não se envolveu nessa
peleia, porém estão de mudança pro Uruguai, onde há paz. Isto será uma
despedida minha dele.
Bueno, quando esta função de Guerra se terminar,
fico só imaginando o povo do Rio Grande, que terá de reerguer esta Província
sacudida pela derrama de sangue que se fez nos últimos anos. O que farei eu
daqui pra frente? Talvez nada de diferente do que fiz até agora. Sendo que no
ano que viemos pra estância de minha tia, prometi que só casar-me-ia depois que
o Rio Grande estivesse em paz.
Pois prometi a minha mãe, e agora terei de cumprir? Não
posso trair-me. Não conseguirei me casar com nenhum outro homem que não seja
ele. Não consigo. Não posso!
Por falar, mais uma vez nele, a última vez que o vi,
foi num sarau, em comemoração ao casamento duma prima distante, que teve na
vila. Ah como estava belo! Como sempre, com aquele sorriso tímido, com aquele
jeito tão doce. E eu burra que só, ao invés de ir conversar com ele me acanhei
num canto perto das outras moças. Falamos muito pouco, e mais uma vez eu sempre
que podia me fazia de dura e indiferente. Não sei o porquê faço isso, mas faço.
Tento disfarçar ao máximo que posso todo o amor que sinto por ele. Se eu
demonstrar isso, talvez seja pior para mim. Então irei guardar isso dentro de
mim, como algo que me mantem viva.
Sigo em frente, sempre em frente...
Nenhum comentário:
Postar um comentário